26 de janeiro de 2010

Rua Larimer

(Com o pensamento em Neal Cassady)

Trôpegos
Vacilantes
Incertos são
Os passos daquele velho
Por todos ignorado
Cuja garganta queima em meio a
Sórdidas
Horríveis gargalhadas
Aquele velho cujo filho
Sai à procura de um muro
E tudo o que ele deseja,
Nestes dias de extremo cansaço
É recostar-se nesse muro

Esmolas, bebida
Esmolas e nada de comida
Tribunais pela cidade
Salvo por seis anos de idade
Pelos becos da Larimer
Nada resta
Vinho, trens de carga
O Texas, baralho pornográfico
Inverno
E Larimer adormecia
Junto com a cidade

19 de janeiro de 2010

Poesia da Senadora Marina Silva, extraída da Revista Piauí, Janeiro 2010

De Marias, de Amélias e de Madalenas

No sofrimento somos Maria

Mãe de um Deus assassinado

Marias sem alegria

Dor sem futuro ou passado

Na renúncia somos Amélia

De uma triste verdade

Amélias sem sonho

Desejo ou vontade

No preconceito, Madalena

Nas praças apedrejada

Madalenas: ao pecado

E à culpa predestinadas

Só no amor temos os nomes

E as formas de nossa estima:

Velha mãe, jovem formosa

E, eternamente, menina.

10 de dezembro de 2009

Poema "Ilha do Governador" por Vinicius de Moraes

Ilha do Governador

Esse ruído dentro do mar invisível são barcos passando
Esse ei-ou que ficou nos meus ouvidos são os pescadores esquecidos
Eles vêm remando sob o peso de grandes mágoas
Vêm de longe e murmurando desaparecem no escuro quieto.
De onde chega essa voz que canta a juventude calma?
De onde sai esse som de piano antigo sonhando a "Berceuse"?
Por que vieram as grandes carroças entornando cal no barro molhado?

Os olhos de Susana eram doces mas Eli tinha seios bonitos
Eu sofria junto de Suzana – ela era a contemplação das tardes longas
Eli era o beijo ardente sobre a areia úmida.
Eu me admirava horas e horas no espelho.

Um dia mandei: "Susana, esquece-me, não sou digno de ti – sempre teu…"
Depois, eu e Eli fomos andando… – ela tremia no meu braço
Eu tremia no braço dela, os seios dela tremiam
A noite tremia nos ei-ou dos pescadores…
Meus amigos se chamavam Mário e Quincas, eram humildes, não sabiam
Com eles aprendi a rachar lenha e ir buscar conchas sonoras no mar fundo
Comigo eles aprenderam a conquistar as jovens praianas tímidas e risonhas.
Eu mostrava meus sonetos aos meus amigos – eles mostravam os grandes olhos abertos
E gratos me traziam mangas maduras roubadas nos caminhos.

Um dia eu li Alexandre Dumas e esqueci os meus amigos.
Depois recebi um saco de mangas
Toda a afeição da ausência…

Como não lembrar essas noites cheias de mar batendo?
Como não lembrar Susana e Eli?
Como esquecer os amigos pobres?
Eles são essa memória que é sempre sofrimento
Vêm da noite inquieta que agora me cobre.
São o olhar de Clara e o beijo de Carmem
São os novos amigos, os que roubaram luz e me trouxeram.
Como esquecer isso que foi a primeira angústia
Se o murmúrio do mar está sempre nos meus ouvidos
Se o barco que eu não via é a vida passando
Se o ei-ou dos pescadores é o gemido de angústia de todas as noites?

Rio de Janeiro, 1935

in Forma e exegese
in Antologia Poética
in Poesia completa e prosa: "O sentimento do sublime"